Respondendo ao islã

 

 

Omar e a revisão do Alcorão

Leone Caetani


O ALCORÃO NÃO FOI REUNIDO durante a vida do Profeta; isto é claramente afirmado por boas autoridades. Aqueles que são numerados como reunidores [do Alcorão] podem ter, certamente, reunido apenas uma parte, caso contrário não há explicação para o grande empenho que os três califas Abu Bakr, Umar e Omar (Nt. Tradutor: Uthman) tiveram após a morte de Mohamed para produzir o único texto oficial das revelações do Profeta.
A tradição para a primeira compilação durante o reinado de Abu Bakr é geralmente aceita sem qualquer questionamento, mas um exame dos relatos rapidamente revela certas contradições. Assim, se a morte de tantos Muçulmanos no al-Yamamah pôs em perigo a preservação do texto, por que Abu Bakr, após fazer sua cópia, praticamente o escondeu confiando-o à guarda de uma mulher? A cópia de Hafsah parece, de fato, ser uma invenção para justificar as correções que subsequentemente foram compiladas sob [o mando] de Omar. Entretanto, eu tolero a prossibilidade de que no tempo de Abu Bakr e Omar, completamente independente da batalha de al-Yamamah, uma cópia do Alcorão fora preparada em Medina, talvez pela sugestão de Omar, exatamente tal como outros foram compilados nas províncias, aqueles que foram posteriormente destruídos sob a ordem de Omar. Pode ser que a cópia em Medina teve uma melhor garantia de autenticidade; enquanto a afirmação de que no texto preparado por Abu Bakr e Omar nenhum verso foi aceito sem ter sido autenticado por pelo menos duas testemunhas que declararam ter ouvido do próprio Profeta leva-nos a supor que já na primeira compilação do Alcorão outros versos que não tinham o apoio requirido foram suprimidos.
Se esta declaração pode ser aceita como autêntica, isso indicaria – como é perfeitamente natural e possível – que ainda enquanto Mohamed vivia, ou pelo menos imediatamente após sua morte, houve em circulação versos tanto apócrifos quanto errôneamente atribuidos ao Profeta. Me parece igualmente provável que nos textos produzidos nas províncias (aqueles, devo dizer, que foram destruidos por Omar) devem ter arrastado consigo versos apócrifos ou insuficientemente autenticados, ou outros que o Profeta e seus amigos mais interessados e Companheiros não quiseram ver preservados. Os Muçulmanos mais tradicionais, por razões óbvias, têm tentado eliminar cada tipo de suspeita sobre isso, porque isto abriria um enorme campo de perigosas insinuações e conjecturas em países de invenções tão férteis como os do Ocidente. Consequentemente eles tentam fingir que as divergências foram apenas minúcias do texto ou em apenas algumas letras, de modo que não comprometem o texto atual e nem admitem a existência de outros versos, tanto perdidos quanto suprimidos. A pequna quantia de versos que dos quais a tradição permitirá duvidar parecem ser pequenos pedaços de fraudes tradicionalistas, aduzidos para mostrar a escrupulosa exatidão do primeiro compilador e a absoluta segurança do texto oficial.
A redação oficial e canônica empreendida sob o comando de Omar se deu em virtude da incerteza que reinou em referência ao texto. Está claro que no ano 30 da Hégira nenhuma redação oficial existia. A própria tradição admite que havia várias 'escolas', uma no Iraque, uma na Síria e outra em al-Basrah, além de outras em lugares menores, e, então, ortodoxamente exagerando este escândalo, tantam fazer parecer que as divergências foram completamente imateriais; mas tais afirmações ficam estranhas com a oposição excitada pelo califa na ação de al-Kufah. A versao oficial de ter contido um tanto de modificações.
Essas observações gerais, no entanto não tocam o aspecto moral e político da compilação oficial do Alcorão sob Omar. De fato, esta ação, penso de que natureza puramente religiosa, estava intimamente relacionada a problemas da mais elevada importância na história do Islã. Para explicar como isso pode ser, primeiro devemos examinar a origem e posição de uma nova classe na comunidade Islâmica, aqueles conhecidos como Qurra, ou Declamadores-do-Alcorão.
É de se lamentar demais que a tradição seja tão muda a respeito de como essa nova e singular classe de Muçulmanos veio a existir. Eles foram os principais agitadores na revolta contra Omar e no confronto civil que pintou com sangue o Islã somente cinco e vinte anos após o falecimento do Profeta. Se nós soubermos com maior precisão o que eles realmente foram, como foram constituídos e como adquiriram tal influência sob o povo, teríamos em mãos a chave que iria de uma só vez destravar a porta de muito mistérios conectados à tragédia em Medina no ano 35, à arbitragem em Adhruh em 38 e às primeiras revoltas Kharijitas. Infelizmente o conhecimento que temos é muito vago.
A origem dos Declamadores remonta aos tempos do Profeta e vem de algum sistema prático (muito embora ignorado em silêncio pela tradição) pelo qual Mohamed criou uma categoria de pessoas especialmente instruidas na revelação do Alcorão. O silêncio da tradição sobre esses primeiros passos da doutrina do Alcorão vem em razão da diminuta importância dedicada pelos próprio Muçulmanos a tal exercício mental durante o tempo em que o Profeta viveu, o qual, como sendo a prima fonte de todo conhecimento divino, poderia facilmente trazer luz a qualquer um. No tempo do Profeta não houve nenhum trabalho real de proselitismo ou propaganda do Alcorão no sentido tencionado pelos missionários Muçulmanos em tempos posteriores. Por isso somos forçados a desconfiar do que a tradição tem a dizer a este respeito. Os agentes de Mohamed em várias partes da Arábia tiveram funções especificamente políticas, fiscais ou econômicas, militares e diplomáticas, e, apenas parcialmente, religiosas. Para nos assegurarmos disso devemos apenas lembrar que para a Arábia Oriental Mohamed enviou 'Amr b. al-'As e al-'Ala b. Al-Hadrami, dos Companheiros políticos, de forma alguma notáveis pela prática religiosa ou pelo conhecimento do Alcorão. As tradições sobre a missão ao Iêmem, corretamente interpretadas, levam-nos à mesma conclusão, embora pode ser que os representantes de Mohamed nesta ocasião, devido à natureza especial do povo, tiveram mais instantes instrucionais a respeito de assuntos reliogiosos que os outros. Nunca devemos perder de vista o fato de que as tradições dos temos mais antigos têm dado intensamente uma cor religiosa a todas as memórias do Islã primitivo, de modo que transformaram em missionários do Islã muitos daqueles que na realidade eram embaixadores, espiões ou agentes políticos, cobradores de impostos a favor do Senhor de Medina. Mohamed considerou a propaganda como seu trabalho peculiar e não se importava muito de delegar a outros suas funções mais importantes. Por isso temos numerosos embaixadores das tribos de Medina. A verdade Islâmica deve ser aprendida imediatamente da boca do Profeta e, de mais, uma adesão formal e um pagamento de certas tarifas fiscais bastou para que uma tribo fosse inquestionavelmente considerada Muçulmana.
Com a morte do Profeta tudo isso foi radicalmente mudado por causa do medo que os Companheiros ainda vivos sentiram de perder o sagrado texto Corânico, o qual era a fundação do Islã como instutuição tanto política quanto religiosa. O espetacular triunfo das armadas Muçulmanas e a surpreendente extensão de seus domínios foram considerados como efeitos diretos do próprio ensino e trabalho do Profeta, o que instigou um interesse vivo tanto em Muçulmanos nominais, convertidos mais na aparência, e entre aqueles que encontraram seu lugar na comunidade simplesmente como vassalos. As vantagens políticas, morais e financeiras que o nome 'Muçulmano' conferia atraiu a atenção de todos os conquistados, embora durante a vida de Mohamed e a revolta de Riddah se considerasse uma carga e uma humilhação, agora eram levantadas como uma propriedade honrosa, um cobiçado sinal de poder político. Os Islão foi mudado para um emblema moral e religioso que todos os Árabes tinham orgulho de ter. Com sua aderência pública ao Islã, os Árabes implícitamente afirmaram-se ser os senhores daquela região da Ásia ocidental. A força moral desse sentimento, que constituiu um valoroso elo de união e coesão no anárquico estado da Árabia, foi vagemente antevido pela sagacidade dos primeiros califas, especialmente 'Umar, o qual objetivou através de seu poder político estabelecer o sentimento de que Muçulmanos constituiram uma grande e singular família. Consequentemente a este sentimento foi necessário providenciar uma fundação moral mais segura e mais duradoura para previni-la de desaparecer após a primeira intoxicação pela vitória; foi necessário criar uma doutrina e uma rito, para agirem como instrumentos de preservação da disciplina social e da unidade moral entre os Muçulmanos.
Enquanto Mohamed viveu seu exemplo diário e seu trabalho supriram cada necessidade. Quando ele se foi, os líderes da comunidade foram forçados a dar passos para suprir esta grande carência. Estamos tão acostumados a tratar o Islã como uma instituição em si mesma, poderosamente constituída, independente de qualquer controle pessoal como aquele do papa, que estamos vulneráveis a nos perder nos períodos mais antigos de transição. Nós não mantemos suficientemente em mente que o Islã de Mohamed foi uma criação de uma descrição absolutamente pessoal, concentrada e fundada em, qualquer que totalmente, sua própria pessoa, sob seu suporte contínuo, diário e pessoal. Em suas revelações do Alcorão ele não fez nenhuma verdadeira provisão para o futuro da Comunidade ou para o momento em que o fundador ou mestre desapareceria. Os sucessores de Mohamed foram, então, chamados para encarregar-se da imensa tarefa de transformar o Islã em uma instituição autônoma e impessoal, baseada no consenso de todos os próprios membros da comunidade. A história dos califados de Omar, 'Umar e de 'Ali é a história de seu processos inicial e mais de difícil de transformação, de de experiências obscuras com que as lacunas dos ensinos do Profeta foram preenchidas e os equívocos de seus primeiros sucessores corrigidos. Assim, foi necessário prover uma liderança à comunidade, ficar suas prerrogativas e as relações que deveria manter entre ele e os outros membros da comunidade; de fato, criar do nada um grande estado-administrativo. A tarefa já teria sido difícil o bastante se o domínio Islâmico tivesse permanecido confinado ao pequeno reino de Medina tal como Mohamed o deixou; mas, a dificuldade foi aumentada dramaticamente com a conquista e fundação de um imenso império. Tudo teve de ser improvisado, dos menos aos maiores problemas. Entre outras coisas as funções dos governos em diferentes províncias onde os Árabes se estabeleceram tiveram de ser definidas. Teve de ser determinado o que esses governos deveriam fazer para manter vivo o sentimento Islâmico e a unidade moral de seus dependentes. Assim, a reunião de sexta-feira, a qual havia sido uma função semanal pessoal da parte do Profeta, foi transformada em uma função regular, pública e impessoal, a qual cabia ao governador, na ausência do califa, presidir. Além disso, um cerimonial especial teve de ser assumido pelo qual o governador primeiro assumiu e depois controlou as funções administrativas. Como a reunião de sexta-feira era de também um momento religioso formalmente presidido por Mohamed, de igual modo em suas províncias o governador, assumindo o lugar do Profeta, deve presidir sobre os fiéis. As funções políticas foram inseparavelmente unidas às religiosas na comunidade.
As linhas gerais dessas funções governamentais, de fato, podem ter sido indicadas pelo próprio Profeta a seus companheiros quando os enviou a uma expedição; mas, as instruções foram incompletas porque o comando das expedições, ou as delegações de Mohamed em Medina quando ele se ausentava foram criações excepcionais que duraram um curto periodo. Logo todos voltaram a Medina, e somente na presença do Profeta é que ocorria a verdadeira e completa cerimônia de sexta-feira. A conquista, transformando a expedição de poucos dias e semanas em uma emigração e ocupação permanentes, levaram a cabo novas exigências com as quais Mohamed nunca havia sonhado. Não apenas os califas, mas a também grande parte da sociedade Muçulmana, sentiram fortemente a necessidade imediata de uma organização moral e interna do Islã, tal como uma doutrina cerimonial. Precisamente, dessa necessidade brotou uma classe especial de pessoas que, sob o nome de al-Qurra, assumiram a tarefa de divulgar o conhecimento da doutrina Islâmica, dos exemplos estabelecidos pelo Profeta, e, mais do que tudo, do Alcorão, a única base da nova doutrina desde o desaparecimento de seu fundador.
Em torno da pessoa de Mohamed surgiu em Medina uma classe de homens que adquiriram, graças ao fato de terem estado continuamente próximos ao Profeta, um conhecimento quase completo das revelações do Alcorão e de todos os costumes e regras de vida, coletados pelos reformador. À morte de Mohamed, cada um desses naturalmente se estabeleceu como mestre de tudo quanto aprendeu e se lembrou. Onde quer que os Árabes se fixaram, eles migraram naturalmente alguns desses recitadores, os quais serviram não apenas para instruir as massas Árabes reunidas sob a bandeira do Islã sem jamais ter visto o Profeta, mas também para educar outros Qurra e para formar pequenas escolas separadas em cada importante assentamento Árabe nas províncias conquistadas.
Inicialmente, o trabalho de propaganda política e de instruções sistemáticas, quase que totalmente dado por vias orais, foi conduzido de maneira suficientemente ordenada pela direção exclusiva do califa, e que mantinha os olhos em tudo. Eles foram Companheiros que, a interesse da Comunidade, realizaram esta obra como um sacríficio em prol do bem-estar social. Então, entretanto, com o assombroso crescimento do império, com a espantosa multiplicação dos centros Islâmicos e a elevada necessidade desses instrutores, eles cresceram uma classe de homens especiais, pupilos do primeiro, que, inferior a eles, foram mais ou menos inspirados com verdadeiro sentimento religioso,  mas, que ao mesmo tempo foram tiraram vantagem de seus ensinos para obter sustento mais fácil do que aquele que recebiam por pensão. De homens bons e sinceros, moveram-se lentamente se tornando hipócritas, agitadores e aventureiros que agiram por conta própria, visando seus próprios interesses ou aquilo que segundo à sua visão era interessante à comunidade. Um instituição boa em suas origens rapidamente se tornou perigosa à concordância e união polítca dos Muçulmanos.
Não apenas surgiram tendências particulares, não apenas esses divulgadores do Islã assumiram uma atitudade independente e rebeldes para com suas autoridades centrais, crendo eles próprios estar autorizados a criticar e ditar leis aos próprio califa e seus governadores, como também em seus ensinos apareceram discrepâncias rituais; variações do texto sagrado, o qual realmente poucos o sabiam perfeitamente, começaram a se impor pra todo lado.
Os Declamadores, não devem, entretanto, ser considerados uma classe completamente distinta dos outros, marcados por suas profissão; não houve um círculo fechado de especialistas. Qualquer um que tivesse algum conhecimento, mesmo superficial ou parcial do texto, poderia atuar como Declamador por causa da parte que ele sabia. Eles não foraram um partido político, de modo que eram encontrados em cada classe e em todos os lugares, entre os Sírios tanto quanto entre os homens do Iraque. Não obstante, devido à condição especial da sociedade Muçulmana em seu período mais antigo, os Qurra adquiriram certa influência social e certa importância que não foi mantida nas gerações sucessoras quando a cultura Islâmica já havia se alargado ao longe e já haviam surgido diversos outros tipos de doutores e mestres do povo. O número desses que se dedicaram a essa profissão, a influência que adquiriram sobre as massas e o descontentamento geral que eles trouxeram, rapidamente veio a ser a fonte de séria preocupação em Medina. O conhecimento do texto sagrado que eles reivindicaram deu-lhes um prestígio que em muitos casos podem tê-los elevado a uma estima popular acima dos governadores dos califas, os quais eram, em sua maioria, homens sem cultura, vivendo continuadamente sob o poderio militar e ignorantes quanto ao Alcorão. Precisamos apenas mencionar o famoso Khalid b. Al-Walid que se orgulhava de sua ignorância do Alcorão.
No momento do qual falamos, os líderes de uma agitação secreta contra o governo foram, precisamente, os al-Qurra, fazendo uso de sua pretensiosa cultura como arma de oposição e crítica contra as ações do governo, dando assim um caráter geral e democrático, o que os tornou particularmente difíceis de serem monitorados e mantidos sob controle.
O califa Omar e seus conselheiros não tardaram a compreender todo o perigo dessa nova situação interna. O número e variedade dessas escolas do texto sagrado e seus dogmas ameaçaram a unidade da doutrina, inclinação e sentimento que foram indispensáveis para o futuro sucesso da sociedade Muçulmana. No Alcorão surgiram discrepâncias que estavam fadadas a aumentar com o tempo. Entre o povo e o governador foi, assim, interposta uma classe de homens que se atribuiram a si mesmo direitos de primazia moral que teve como efeito uma espécie de independência da autoridade política.
Em resumo, avaliando a própria doutrina que eles possuiam como sendo maior e em melhor medida que aquela dos representantes dos califas, eles excitaram o povo contra o poder executivo, e foram os primeiros a denunciar, exagerar e até mesmo a inventar erros da parte de Omar e seus agentes.
Foi uma grande infelicidade para Omar ser chamado não apenas para procurar um remédio para os graves erros financeiros de seu predecessor 'Umar, mas também opor-se a todas as conseqüencias morais da falta de direcionamento que a sociedade Islâmica tomava de baixo de adversidades estressantes e de decepções amargosas. É nosso dever como historiadores imparciais afirmar que ainda se Omar estivesse incapaz de brigar com a complida situação política, se ele fora infeliz na escolha de seus governadores e falhou em seu tentativa de fortalecer as ruinadas financas do império, ainda assim ele estava inteiramente certo quando tentou monopolizar a anarquia doutrinal que ameaçava a comunidade Islâmica ao tomar medidas enérgicas para previnir a multiplicação de versões do texto sagrado. A medida adotada por Omar foi radical e aldaz, e permanece em contraste com a reputação de fraco que a tradição lhe atribui em outras ações administrativas.
Omar ordenou a compilação de um único texto oficial do Alcorão, e a violenta supressão, a destruição por fogo de todas as outras cópias existentes nas províncias. Tal ato demandou considerável coragem política porque foi um desafio aberto a toda a classe dos Recitadores e uma tentativa efetiva de pôr um fim ao monopólio do texto sagrado que eles reivindicavam. O governo central concordemente assegurou sua autoridade, e, implicitamente, estigmatizou com falsários todos aqueles que não recitassem o Alcorão de forma idêntica ao texto oficial. O édito de Omar foi levado a efeito com a maior precisão, de modo que nenhuma só cópia anterior a este ofício sobreviveu. A ação trouxe o mais amargo ressentimento aos Recitadores, e, sem dúvidas, elevou os sentimentos negativos contra o califa; mas a tradição, que poderia pesadamente proferir maldades a respeito de Omar sobre isso, se absteve prudentemente de fazer até a mais leve insinuação contra ele. O tema é tão delicado e a ação de Omar foi tão estreitamente ajustada ao espírito dos tempos antigos que não vale a pena se arriscar a protestar. Deve-se adicionar que ainda que todas as cópias existentes do Alcorão não podem ser traçadas à cópia oficial de Omar, qualquer um que lançasse calúnias à ação de Omar estaria sujeito à acusação de levantar dúvidas sobre a fundação de todo o Islã, porque o mundo Islâmico está certo de que o texto existente hoje representa a palavra verdadeira, eterna e imutável de Deus.
Óbviamente a tradição permanece em desvantagem neste delicado ponto porque é compelida a reconhecer o cânone oficial do texto sagrado feito pelo califa, sobre quem, por outras razões, há muita coisa ruim para se dizer a respeito de seu esforço em desculpar a conduta de seu sucessor Alli, o Benjamim da tradição ortodoxa. Essas considerações explicam a ansiedade dos tradicionais em inventar uma compilação anterior  do texto sagrado durante o reino do impecável Abu Bakr, o perfeito e santificado califa, assim, desse modo, Omar aparece apenas como o copista do texto deixado por Abu Bakr.
Os passos dados por Omar e seus esforços para atingir corajosamente uma poderosa classe de indivíduos em um momento de fervor político fortemente pintado por uma paixão religiosa dá uma nova luz à suas medidas. Ele não é o homem tímido que primeiro da atenção a seus interesses e só depois à multidão de descontentes, mas o soberano que, por razões próprias, emite uma determinação e vê que ela é trazida a efeito em um momento de forte agitação. Sendo assim, viemos a inferir que a tradição tem zigue-zagueado sobre o caráter do califa e que, embora ele possa ter sido fraco quanto à sua própria família e em algumas circunstâncias de menor importância, ele foi, por outro lado, um homem de valor e energia, caso contrário sua determinação não teria sido reconhecida. Sua administração não mais aparece como se dirigida pela mente de um velho decrépito; ao contrário, ela aparece como uma honesta e corajosa tentativa de encarar uma revolução interna bem amadurecida e, finalmente, eclodida não pelos erros do califa e seus amigos e parceiros, mas resultante sim dos irreparáveis erros anteriores os quais Omar não tinha possibilidade de controlar.

 

Tradução: Wesley Nazeazeno


* Este artigo é uma tradução de "'Uthman and the Recension of the Koran" - original aqui.

* This article is a translation of "'Uthman and the Recension of the Koran" - original here.

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Palavras-chave

Mohamed, Maomé, Muhamed, Mohammed, Islã, Islam, Alcorão, Al-Corão, Quran, Korão, Al-Korão, hadith, hadice, sharia, tafsir, islamismo.

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